EU MARIA E ELE JOÃO
EU FIA E ELE FIO
UM CHAMA DE FI, OUTRO DE FIZIM
ELE DANÇA
BATE PAGODE
ELE E OS FILHOS DELE
É ASSIM
AS VEIAS VÃO ABRINDO
AS VEIAS VÃO SE DILATANDO
GENTE, É UMA COISA DE LOUCO
É UMA COISA DE LOUCO
VÃO FAZER UM NEGÓCIO?
LEVA FRITO
MURCHINHO É MAIS GOSTOSO
VOU CONTAR SÓ MAIS UMA COISINHA…
MUITA LUTA, MUITA LUTA…
NÓ DE TECELÃO
BATEU VENTO
SUBIU
MERMÃO
TROÇO MUITO LINDO MESMO
TEM O VERMELHO COM A CRISTA PRETA
TEM O PRETO COM A CRISTA VERMELHA
SE DESSE PRA
ENGARRAFAR ESSE RUÇO
E VENDER,
IA GANHAR UM DINHEIRO, HEIN?
MUTIRÃO
COMISSÃO DE MULHERES
Acredito eu que todo dançarino quer se soltar mais quando tem público.
Então eu acho que era o público me olhando, né? Porque eu percebia que tava chamando a
atenção… aí eu queria me destacar.
E eu acho que a música também… Nossa, mermão, ainda mais quando vem aquela que tu
realmente gosta muito…
TUM TUM TUM TUM TCHÁ TSS
TUM TUM (ESTALO) TUM
UAN TCHU UAN TCHUUU
DO FOR LOVE
IUL DON RÉVI UEI
LA-IÁ LA-RA-IÁ…
Caraca, mermão, eu ficava louco, né?
Apesar de que eu não lembro…
não tocava essa música na matinê.
Tocava mais Charme
Daí eu vi uma casa, e tava com um dinheirinho guardado. Dei minha Kombi, que valia treze mil,
mais uns dois mil… e comprei a casa pra eu morar, lá no alto do Morro. Tinha uma laje muito boa,
e aí eu estiquei meu decorflex, comecei a dançar e decidi que ia fazer a Primeira Batalha do Barro.
O lugar não tinha a menor condição de fazer evento, só tinha barro, mas eu decidi fazer mesmo
assim. Aí o pessoal pediu pra eu botar o nome de Batalha do Morro, porque aqui é o Morro da
Oficina. Deu trinta cabeças e a premiação era de cinquenta reais. Toda a batalha que tinha, chovia.
Era impressionante. Imagina um lugar inapropriado pra fazer evento… Eu colocava cem pessoas.
De repente alguém me avisava — Tá chovendo. O que a gente vai fazer? Vai ter batalha com goteira?
Nisso, o pessoal já escorregando e a gente tentando secar. Eu corria na loja de material de
construção, comprava uma lona e esticava lá na hora… E o som alto, comendo solto, o pessoal
gritando uhu…
É aquele negócio que eu te falei. Sei fazer algumas coisas, mas não participei de nenhum
concurso, nada disso não… Do meu jeito.
Não vou te dizer que sou expert, mas faço algumas coisas que agradam.
Tive um problema com água invadindo a minha casa e eles vieram para cá me ajudar. Então eu fiz
essa galinhada. É uma coisa simples, à base de frango. A gente frita. Lá na roça a gente mata
galinhada. Aqui a gente vai no mercado, compra o frango, corta, frita e faz junto com arroz,
cenoura, cebola e pimentão. Faz soltinho com esse frango… É a tal da galinhada.
Se eu quiser juntar uma turma pra poder fazer, eu vou juntar, entendeu? — Ó, gente, vamos juntar.
E é assim, eu gosto de tratar das pessoas, gosto de dar comida…
O mutirão da capina é engraçado. Aquele caminhão enorme, desce um, dois, três… Pô, fui
contando, veio quinze homens pra cá. Meu Deus do céu, fazer café pra isso tudo. Aí eu já vou com a
chave da associação na mão.
— Vou dar o café pra vocês, vou colocar lá em cima da mesa, mas não vou dar na mão de ninguém não,
que eu não posso. Tenho que trabalhar. Aí eu botei o café, já deixei tudo adoçado direitinho em cima
do fogão, os tabuleiros tudo cortadinho de pão com manteiga, o bolo que eu ganhei da padaria -
eu ganho salame dum, presunto do outro, é tudo assim. Aqui em cima todo mundo se ajuda. Todo
mundo me ajuda.
— Oh tia, de tarde tem café? — Pô, cês nem tomaram café da manhã e já querem o da tarde? — Não, a
gente quer saber, porque falaram que aqui a senhora trata muito bem. — Ó, só que eu tô cheia de
serviço. Sexta-feira pra mim é enrolado.
Aí eu não fiz almoço. Eles tinham que trazer o deles mesmo. Mas nem todo mundo traz
sexta-feira, porque é dia de receber. Aí falei — Quer saber duma coisa? A padaria aqui em cima me
deu quinze franceses, a de baixo me deu dez, eu ganhei bolo também… Eles comeram bolo, né?
Foram tomar café já eram quase onze horas, porque não queriam parar o serviço. Sobrou muito
pão. Falei — Vou fazer uma panela de cachorro-quente. Eu tenho um aparelhinho da Tupperware… é
muito bom. Tu bota, tritura tudo, tu só puxa com a mão. Ah, naquilo eu sou rapidinha. Piquei a
cebola, piquei tudo… Falei — Porra, não tem alho. Aí fui pedir ali na padaria. Não tinha alho
também. — Hoje vai ser só cebola.
Eles tinham acabado de almoçar. Enquanto eu fui na padaria buscar o refrigerante… de doação né?
Esqueci de pegar de manhã, na hora do café. Eu falei — Na hora do almoço eu pego, pro lanche deles
da tarde. Sexta-feira, geralmente, eles largam três horas. Quando eu cheguei na associação, tava
todo mundo de pãozinho na mão. Falei — Gente, na pandemia, cês não pode pegar pão na mão. — A
senhora não deixou guardanapo. — Não era pra comer agora.
Também não arrumo nada não. De manhã eu passei manteiga no pão de todo mundo, mas não vou
ficar aqui servindo cachorro-quente pra esse monte de homem, não. Deixei uma conchinha lá.
Com a colher vão demorar, né?
Extra!
Em pleno Morro da Oficina, antigo bairro São Jorge, ou José, diante de Santo Antônio, comissão de
mulheres organiza São João,
em Agosto.
Teve gente pensando que era Joaquim,
mas era *.
Disseram à reportagem — A decoração é com bandeirinha, com lacinho, com essas paradinha tudo. A
gente decora a rua inteira. Decora tudo. Quando pode comprar bandeirinha - ou ganhar… tudo bem,
mas quando não, folha de revista. A gente mesmo corta, cola e estica… A rua inteira. Inteira. Os bares da
comunidade fecham pra não atrapalhar o movimento… e gastam com a gente na festa. Barraquinha no
quintal, angu à baiana, tudo feito ali na hora. Fogão, geladeira, a gente arranja tudo. Tira de dentro de
casa e leva. Era assim… É assim… Na minha casa tem até as toalhas.
Disseram que aqui não dava, que não podia, que a rua era muito estreita, e nos ofereceram uma
Kombi sobe e desce. Essa Kombi ficou durante muito tempo com a gente. Muito tempo não, ficou
um tempinho. Acontece que não faziam manutenção, as Kombis sempre quebrando, sempre
estragando… Até que um dia nós descobrimos que os bancos da Kombi eram feitos de caixote,
aqueles de madeira, de feira. Pronto, aí foi um vuco-vuco danado, nós prendemos a Kombi aqui -
isso, quem sempre fazia eram as mulheres, porque os homens… A gente tinha muito homem aí
para ajudar, mas na hora do pega-pega era difícil. Então as mulheres resolvemos prender a Kombi
aqui em cima e obrigamos a presença de um… de alguém representante do poder público. Ficamos
até com pena do motorista, tudo… mas não sei se fui eu ou alguém falou que se ele tentasse
descer, a gente incendiava a Kombi. O homem ficou com medo, tomamos a chave da mão dele,
mas ninguém ia fazer isso não. Era só para botar medo e ter um responsável aqui. Acho que foi
nessa época que tiraram a Kombi e colocaram um ônibus. Acontece alguma coisa? Acontece. Agora
a gente tem mais força para exigir e cobrar
A gente tem a tradicional fogueira. A família se reúne e bota mais de cem pessoas dentro de casa,
no aniversário do meu pai. Os amigos todos já contam que vai ter festa, com fogueira. Meu pai
pega madeira no mato e monta. Fogueirão. Tem gente pulando fogo, tem um monte de coisas. Tu
não lembra não? As paquitas…
Aqui são três… Três não, né? São duas casas e uma quitinete. A casa de trás é a principal, onde
minha bisavó morava. Ela nasceu naquela casa. A da frente, minha avó construiu com meu avô. A
gente morava, na verdade, no porão, né? É a quitinete que meu pai fez com a minha mãe, debaixo
da casa da minha avó. Quando ela faleceu, a gente se mudou para a casa de cima. Meu pai nasceu
na casa de trás. A gente vive assim, em família. Avó, bisavó, tia-avó, o marido dela, o filho dela e
meu pai, que é filho único, todo mundo no mesmo quintal. Descendo a escada você dá de cara com
a família da minha mãe também
— Quem já sabe cantar o hino?
— Uma vez Flamengo, sempre Flamengo…
— Oremos.
— Uma vez Flamengo, sempre Flamengo…
Artesanal, né? Por exemplo, eu não bloqueio as placas. Construo elas nas mãos. Estufa para sapato
não uso. É cola e costura. A gente continua com pé de ferro, lixadeira… A minha tem opção lixa,
escova, frisador, queimador… É a alma do negócio né? Sem ela não dá para trabalhar. A gente
ainda usa a sovela, como uma agulha de crochê… faz o ponto na mão. Primeiro, você enrola a linha
no dedo, frisa, passa a cera, enrola. Aí, para o trançado no sapato, você usa a sovela, que tem uma
ponta fininha - quebrei muitas pontas. Agora a linha já vem pronta, igual uma linha de tricô já
trançada. Mudou muito… Os saltos não são mais de couro, são de plástico com pinho. Todo sapato
de mulher já tem um canhão dentro dele, um caninho fininho, uma bitola certa… Mudou muito,
facilitou muito. De primeiro, a coisa era meio complicada
— Quem quer ir pra praia?
Eu fazia uma pipa. Ela devia ter quase o que… um… vão botar aí uns vinte e cinco metros de
rabiola. Pipa grande, pra tu passar um cerol e cruzar bem longe. Hoje não dá cara. O pessoal panha
um saco de mercado na lixeira, faz um papagaio, vai e te corta.
A rabiola eu fazia assim: Botava por exemplo uns… meio metro, mais ou menos… ou mais…
quase… um metro, com ela bem juntinha, e depois ia disfarçando, aumentando ela e diminuindo a
fitinha. É rabiola pra caramba, mas pô, pra uma pipa grandona, mais ou menos aí, uns… vão botar
uns quarenta centímetros ou mais… É pipa mesmo, não é essas cafifa. Pipa redonda, que leva uma
porção de varetas… mas muita vareta mesmo, pra você poder colar o papel e ela ficar redondinha,
sabe? Ainda faz uma paradinha assim, tipo dumas bandeirinhas dependuradas nela… Eu nunca fiz
não, mas já vi senhor de idade que fazia, muitos anos atrás aqui no Morro. Era uma pipa, mais ou
menos, vou te falar a verdade… quase uns dois metros de comprimento. Redonda.
A vantagem da pipa, quando faz ela grandona mesmo, com a rabiola grande, é que quando você
consegue desbicar ela, que você puxa ela descendo, se bobear ela vem até no chão. Tu é obrigado a
parar pra ela voltar ao normal e você subir com ela. E quando ela arrasta também, ela arrasta
alguns metros pra cortar outra pipa, porque ela tem muito peso, né? Sai arrastando que sai
danado. Você vai ajeitando ela… no que desbicar, tu faz com a pipa o que você quiser.
Tem uns camaradas aí que só cortam as pessoas com a barriga da linha. A pipa tá lá no não sei
n’aonde, pessoal tá entrando na barriga e só voando… só voando… só voando…
Não sei se tu sabe de uma mania… Eu aprendi depois de velho. Quando o papagaio tá dando de
lado, os caras furam um pouquinho a seda com a ponta do cigarro, pra dar uma equilibrada. A
gente botava uma bandeirinha colada. Papel colado, né?
O balão que bota fogo no mato é o balão lanternado.
O que está acontecendo? Você compra uma bobina a metros, de plástico, tá entendendo? Aí você
corta ele na metragem que você quer e marra a boca dele dum lado. Pode encher com um
abanador, até com um ventilador. Depois marra do outro, fecha ele. Fica tipo uma barriga, sabe
como é que é, um tambor, grande, tá entendendo? Aí tu bota em cima da laje e o próprio Sol faz ele
ir embora. Sobe e vai embora. Você bota uma guiazinha com a linha, pra não esbarrar em lugar
nenhum. Vai embora…
Poucos tempos, subiu um daqui de cima da minha laje. Foi pra lá do Cascatinha, voltou, passou
por aqui… Só cai quando o Sol acaba. Foi lá pro Rio de Janeiro. Tal de salsichão…
Eu tô pra fazer um, botar uma bandeira do Flamengo, levinha, pra ele levar. Porque eu sou
flamenguista.
Tem o algodão. Do algodão, faz um pavio fininho que vem numa bobina. Dessa bobina, o fio desce,
você emenda ele e sai enrolando no… como é que eu vou te explicar? Tem uma espula. Ele sai da
caldeira grossão, vem pra essa máquina de fiadeiro, fininho. De fininho vai enrolando e sai a linha
pronta pra tecelagem, pra fazer o pano. O processo vem dum fardo, do fardo pra caldeira, pra sair
tipo dum algodão grosso, pra fazer essas bobinas, pra fazer a linha. É um troço bem feito, só a
pessoa vendo… Um fardo de algodão virar uma linha. Aí tem uns maquinários, e as coisas vão se
aperfeiçoando, né? Eu trabalhei de tecelão também, mas não aperfeiçoei. Meu pai tinha cinco
teares antigos em casa. Meu pai era tecelão.
O Pinga canta assim
PIU TIRATIAÇO
PIU TIRATIAÇO
Já o Corta Capim
TOM TOM TRIM TOM TOM TRIM
Tem CASA NELSO
CASA NELSO
Fala direitinho
Tem muitos cantos, brincadeira não
Tem o PIU SEM DONÇA, o JACATIRONÇA, o CAÇAR FAROFA
Tem muito mais
RI TIATIAÇO
TIL TIATIAÇO
PIL TIATIAÇO
IL TIATIAÇO
IL CAÇARAÇO
CATIALÇO
CURRICUTILS
SÃO JOSÉ
SIDRA TIATIAÇO
JOÃOZINHO
TEMPO QUENTE
QUE QUE EU FIZ MEU DEUS
O Caxambú diz
TEU TIO JOAQUIM FOI
O Baiano deve dar umas três notas e dá um FOI. Ele corta uns sons e faz FOI no final
O Teresópolis dá a mesma cantada do Caxambú, só que um canta mais lento e outro mais rápido
Tem o Boca Mole…
Quando vim morar aqui, eu tinha vinte anos. Casei e vim, faz cinquenta e três anos. Aqui era muito sacrifício,
porque… começando pela água. Nós tínhamos o mínimo. Eu tenho um poço no quintal, que agora tá fechado,
né? Nós conseguimos água, realmente. Mas era aquele… O falecido meu sogro, que também é uma pessoa
importante aqui, sabe?… Foi ele que conseguiu. Muita luta depois que ele comprou a casa aqui. Ele conseguiu
bombas, pra… Colocou ali onde tem a polícia militar, aqui embaixo. Ali que era a caixa - não sei se ainda é, se
a água que vem cá pra cima passa por ali. Depois eu não sei como ficou a encanação, a tubulação, mas ele
conseguiu umas bombas que jogavam água pra cima, e a comunidade fez uma caixa. A turma todinha…
fizeram esse reservatório aqui em cima. Parece que tem cem mil litros. Só que acontecia que as bombas não
tinham muita potência… viviam queimando. Então as pessoas viviam constantemente sem água, porque aí a
bomba tinha que ir pra São Paulo fazer manutenção, né? Olha, era um sacrifício total…
Depois que surgiu a ideia… da água do Castelinho. Fizeram uma represa lá em cima e, mais abaixo, fizeram
uma caixa enorme, que era onde fazia o tratamento da água pras pessoas. Eu sei que por muitos anos nós
recebemos água lá de cima… e vinha muito suja, sabe? Vinha só com o peso… a altura de lá com a altura de cá,
não precisava de bomba, porque só com o peso da descida, ela subia aqui, entendeu? Aí passava pelas pessoas
que moram em cima da caixa d'água… na beirada do Lagoinha… e vinha pra esse reservatório que era
distribuído pra gente. Só que chegou a um ponto que ninguém podia usar a água, porque rolava churrascada
lá em cima…
Acho que depois de oitenta e oito, que teve a enchente, aquele problema com a barreira. Tinha uma pessoa
pra tomar conta da represa - uma casa muito boa, que o rapaz e a família moravam. Então ninguém naquele
período usava. Depois que caíram as barreiras, a CAEMPE não quis mais resolver… O homem saiu de lá,
porque não tinha condição… com as barreiras não tinha mais caminho, não tinha mais rua, né? Aí a casa foi
demolida, tudo foi destruído… Só que a nossa água continuava vindo de lá. Aí começou a luta pra tirar a água
de lá.
Então vieram as contenções… Muita barreira, né? Em vários pontos foram feitos trabalhos… Depois foram as
Kombis, porque nós não tínhamos transporte. Aquelas Kombis duraram nove anos aqui, e era uma coisa
muito sacrificante, né? Porque você chegava ali, descia do ônibus, esperava uma… E eram só sete pessoas que
entravam. — Então vamos pedir o ônibus. O ônibus era… motor pra aeroporto, pra plano. Só quando fizeram
um motor forte, como o do ônibus grande, que tem a mesma potência, né?… foi que a gente conseguiu ônibus
aqui.
A creche também foi uma luta. Tinha aquelas creches-lar, que as crianças ficavam nas casas, a prefeitura
dava apoio, mas… sem estrutura nenhuma, né? Os anos iam se passando e as mulheres seguiam descendo
com seus filhos no colo, debaixo de chuva, debaixo de Sol… — Porque não ter uma creche aqui na Oswero
Vilaça? Aí começou outra luta: — Onde? Conseguiram visualizar um terreno que tinha ali perto da padaria. —
Vamos lutar pra que esse pedaço seja desapropriado. Teve muita gente envolvida…
Nossa creche foi construída, tudo direitinho, botamos lá dentro cadeirinhas pras crianças, mesa pras
professoras, esses negócios assim… Mas aí não tinha um garfo, não tinha uma faca, não tinha um prato, não
tinha um copo, não tinha nada… — Vão fazer um negócio? Vão fazer um chá de panela pra creche. Chamamos
todo mundo, pedimos e conseguimos tudo. — Quero comprar um pano pra botar uma cortina na creche. Quanto
tu acha que vamos gastar? — Nada, porque nós vamos fazer um evento. Aí nós fazíamos um almoço.
Foi com feijoada que ganhamos mais dinheiro. Ela cortava a couvezinha na mão. Sentava assim, que nem
uma preta véia… a couvezinha na mão. Cortava cortava cortava tudinho.
— Quantos metros de pano? O que vamos colocar lá? — Eu quero um paninho xadrez de vermelho. — Então tá
bom… — Ó, agora senta e costura, que a gente não sabe não.
Nossa creche ficou… Cada tijolinho, cada coisa que foi botada ali dentro… Para firmar a conquista, reunimos
todas as pessoas, demos as mãos e selamos um abraço em volta de toda a creche.
Hoje em dia a prefeitura tomou conta. É a prefeitura quem banca, entendeu? Mas não foi construído pela
prefeitura. É isso mesmo que acontece. São as nossas conquistas. Foi muita luta, muita reunião, sabe?
O tecido chegou, vai pro corte. Estica na mesa, enfesta ele todinho, vai lá e pega… esqueci como é
que chama… tipo os moldes, né? Já tá tudo riscado no papel. Tu bota em cima daquele pano
esticado, aí o rapaz… Cada um tem sua profissão. Depois vem o cortador. Você já esticou, o
cortador vai… O enfestador enfestou os tecidos, vem o outro que coloca os riscos… Quem riscou,
coloca… alfineta… Pra lidar com seda, a gente alfineta tudo direitinho. Tem um jeitinho de
alfinetar tá?... Que senão espeta o dedo e não espeta o tecido. Aí vem o rapaz com a máquina e
corta aquilo tudinho. Depois tem a seção de separação, mas ali já tá tudo escrito: a gola quarenta,
com a manga, com o punho, com a frente, com as costas… tudo escrito nos desenhos por cima.
Tipo um bolo… Aí vai tudo pra separação. Tem as meninas da separação que vão contar, vamo
supor… pra ficar mais prático de entender… de dez em dez. Dez mangas, dez golas, dez punhos,
dez frentes… E é tudo numerado. Ó, tem que ter uma cabeça… que vou dizer. Hoje em dia sai tudo
do computador, tá? Tem a máquina que tu bota o desenho, bota o programa — Ah… Vamo supor —
Quero uma camisa polo. Tamanho P, M, G, GG, extra G. — Tá. A máquina já vai sair com o desenho lá
na frente, tudo riscadinho. Só vai jogar ali em cima, né? Na hora de cortar, ela já sai também com
as tirinhas, tudo pra você colocar, fazer os embrulhadinhos… E já tá escrito ali.
A gente tinha um espaço muito bom pra fazer festa. Pegava o entorno todo do final da rua. Ficava
bom pra caramba. Vinha gente de fora, vinha carro e tudo. Muita gente mesmo. Tinha festa das
crianças, da primavera, almoço, feijoada, natal, festival de pastel, festa junina - a nossa era em
Agosto, pra não conflitar com as festas dos outros bairros.
Uma comissão de mulheres organizava, e o pessoal ajudava… Montar barraquinha, pedir doações.
A gente pedia no comércio local, na Rua Teresa, aos vereadores… A gente fazia ofício e pedia.
Festa das crianças, por exemplo, não podia faltar presente. Pô, não podia… E tinha sempre
refrigerante e bolo no final… Cachorro-quente. A gente fazia com tudo, filhim. Seu João da pipoca
dava aquelas pipocas de canjica, aquele monte de saco…
No natal, só de ver a carinha da criança ganhando um presentinho… Nada paga. Nada paga. Uma
vez nós ganhamos bicicletas… seminovas. Acho que foram umas quatro… Quatro não… mais, seis…
umas seis bicicletas, mais ou menos. Seminovas. — Como que a gente vai fazer com seis bicicletas e
tantas crianças? Todo mundo — Eu quero, eu quero. Eu quero, eu quero…
Damos de acordo com a idade.
Vamos fazer um sorteio.
Lembro como se fosse hoje… a menina que ganhou, nem encostar ela… porque ela ficou assim, tão
feliz, tão feliz… que nem encostava na bicicleta.
Aí eu botei a bicicleta nas costas, peguei a menina pelo braço e levei ela em casa.
Botei a menina nas costas, peguei a bicicleta pelo braço
Botei a bicicleta no braço, peguei a menina pelas costas
Botei o braço da menina nas costas da bicicleta
Peguei a bicicleta pela menina, botei as costas no braço e levei elas em casa, mais ou menos…
A gente tinha um palhaço na comunidade. Palhaço Cruzado. Ele animava as festas, fazia
fantoche… No natal, se vestia de Papai Noel e subia o Morro todo, meia-noite, tocando o sino.
Todas as festas tinham a participação dele. E a gente tinha um palco de atrações, né? Tal hora
isso, tal hora aquilo. O Cruzado era sempre cedo, por causa das crianças. Tinha um conjunto de
umas meninas que dançavam… Tinha grupo de pagode. O último ou o penúltimo foi até às quatro
horas da manhã. Nós trememos o Morro.
Minha avó e meu avô trabalharam em fábrica até se aposentar. Uma na Dona Isabel, outro na Cometa. Ele diz que era noivo
de uma prima dela e, nessa de frequentar o Morro, se encantou. Certo dia, perguntado por um amigo sobre quando iria se
casar, ele pegou na mão da minha avó e disse — Quando ela quiser. Foi aí que ele terminou o noivado e começou a namorar
minha avó. Logo se casaram.
Meu avô tinha duplo serviço. Sempre trabalhou com sapatos, em paralelo. Ele aprendeu bem novinho, com um vizinho
dele, acredito que do Caxambú… não tenho certeza. Provavelmente tenha aprendido com o cunhado, que sempre foi
sapateiro. Depois que ele se aposentou, assumiu de vez a profissão.
Aí meu pai, quando tinha mais ou menos dezesseis anos, decidiu que não queria mais estudar. Falou que queria trabalhar.
Meu avô pensou — Vou colocar ele pra ralar bem cedo e ele vai desistir. Desistiu nada. Meu pai começou a trabalhar cedinho
com meu avô, que sempre foi muito rígido… e deu conta. Quando meu pai fez os dezoito anos, apareceu uma pessoa que
tava querendo passar um ponto de sapataria lá no centro da cidade… e ele pegou. Meu avô pegou pra ele, né? A partir dos
dezoito anos foi que meu pai passou a assumir a sapataria. Meu avô ficava num ponto e meu pai em outro, os dois no
Centro, um ali pela Paulo Barbosa… a primeira loja do meu pai.
Depois meu avô veio pro Alto da Serra e falou pro meu pai — Eu tô pegando outra, vem pra cá. Aí meu pai foi, pegou a Padre
Feijó, que é ali perto de onde ele tá agora. Ele tava lá há uns vinte e cinco anos já, muito tempo de Padre Feijó, até que a
menina do lado fez alguma coisa, moradora ali, e desmoronou um pedaço da casa dela que é colado na sapataria. Aí a
proprietária pediu o imóvel. Pouco tempo depois pegou fogo… Caiu tudo, né? Meu pai tinha saído um pouco antes, graças a
Deus… As coisas acontecem do jeito que tem que ser. Se tu passar ali tu vai ver, tá tudo escombro mesmo, tá tudo caído. E
assim… todo mundo ligando em desespero, porque meu pai tava lá há muitos anos… A gente teria perdido tudo. Meu pai e
minha mãe não trabalham com banco, eles são tudo do tempo do Epa.
Enfim, a gente teve que correr pra achar outra lojinha. Acabou que achou uma pra alugar na entrada do Morin.
Aí o que aconteceu? Minha mãe casou com meu pai com dezenove anos. Ela tava fazendo o último ano do ensino médio e
trabalhava na Chapeuzinho Vermelho, na Rua Teresa, que era… acho que uma loja de roupa infantil. Pra casar, dizem que
naquele tempo era comum a mulher largar tudo pra ficar dona de casa. Ela largou… estudo, trabalho… e ficou dona de casa.
Eles acharam que logo em seguida minha mãe ia engravidar, mas ela não engravidou. Ficou durante seis anos sem
trabalhar, só dentro de casa, e não engravidava. Até que veio minha irmã e, dois anos depois, veio eu. Ela ficou dona de
casa e mãe. Tempo integral. Aí ela pegava pra vender revista… essas Avon, Hermes, Abelha Rainha… ela vendia essas coisas
tudo, e vendia muito, tá? Ela era premiada. A gente tem várias coisas em casa que ela ganhou da revista por bater meta.
Quando eu tinha mais ou menos uns doze ou treze anos, meu avô precisou fazer uma cirurgia de coração… Como que é o
nome?… Cateterismo. Ele precisou ficar afastado, né? Então ele chamou a minha mãe pra ficar de atendente. Ela atendia,
pegava os serviços, meu pai ia à noite e fazia… Ele continuava na sapataria dele, e à noite pegava no serviço do meu avô…
pra dar conta, né? Só que a minha mãe começou a se enfiar lá e fazer uma coisa ou outra, e costura… Minha mãe sempre
costurou e sabe fazer tricô também. Aí ela começou a fazer essas coisas lá… Conserta bolsa aqui, costura coisa ali… Quando
meu avô voltou, ela continuou com ele por oito anos. Ele não mandou ela embora, e ela continuou. Acabou que se
desentenderam… Ele se desentendeu. Meu avô é um velho chato, essa é a verdade, né? Ele é rabugento, meu filho… e vou te
falar, já fizeram até Judas dele lá no Morro. Ele é uma pessoa difícil. Minha mãe ficou chateada e falou — Então é melhor eu
não voltar. — É, melhor tu sair. Minha mãe ficou, né?… O orgulho… — Não vou voltar mais. E aí o que ela começou a fazer?
Faxina. Ela já tinha entrado no mercado de trabalho e não queria parar de ter o dinheirinho dela, mas ela não gostava
muito.
Eu passei por muitas questões de saúde, muitas cirurgias… Numa dessas, fiquei afastada um ano da empresa que eu
trabalhava. Quando eu voltei, me demitiram. Eu tava recém formada na faculdade e fiquei bem triste, bem frustrada…
Crise, né? A gente tava entrando em 2015… Dilma saindo… Sei lá, uma doideira. Aí o que aconteceu: Com o dinheiro da
minha rescisão de contrato, meu avô decidiu se mudar pra Minas com a coroa dele lá. Minha avó faleceu bem nova, com
sessenta e dois anos, e ele se juntou com essa senhora que tá com ele até hoje, né? O filho dela tem uma casa lá em Minas e
eles decidiram ir pra lá. Aí ele falou assim pro meu pai — Ô, você quer pegar a minha loja, daqui de cima? Meu pai ficou — Pô,
será que eu vou dar conta? e tal… Como ele sabe que a minha mãe ama a sapataria com tudo na vida dela, e não gostava de
trabalhar com faxina, ele falou assim — Você não quer pegar a sapataria do meu pai? Tu assume lá e vê o que vai dar. Minha
mãe ficou com muito medo — Ah, não vou pegar não, porque não sei se eu vou dar conta. Vai que não dá, vou ficar com dívida
pra pagar. Tem que pagar aluguel, tem que pagar um monte de coisa. Aí eu falei assim — Mãe, eu to com o dinheiro da minha
rescisão. A gente pega a sapataria juntas. É um jeito de eu estar trabalhando, e se der tudo errado no primeiro mês, eu tenho
dinheiro pra pagar as despesas, a gente fecha a porta e cabô. Vamo tentar. Aí fomos nós.
A minha mãe não largou a faxina… Ela fazia pelo menos, acho que… duas vezes na semana. E a gente ficou assim… Eu
ficava na loja os dias que ela não podia e, quando ela podia ir, tinha dia que eu ficava com ela e tinha dia que ela ficava
sozinha. Eu costurei um monte de coisa lá também… fiz um monte de coisa. Aí o que aconteceu… Chegou no final do mês,
deu muito certo o negócio, e minha mãe falou assim — Então tu vai seguir a tua vida, tá? Isso aqui não é pra tu não. Tu é
formada, vai atrás de alguma coisa. Aí eu falei — É, preciso correr atrás de alguma coisa, porque a minha mãe como sócia… ela tá
me passando a perna. Eu trabalhei de graça mesmo, foi isso. Ela ama… e é raro, né? Acho que eu nunca conheci outra mulher
sapateira.
Quando tem festa nem cabe dentro de casa. Graças a Deus. Entra genro, nora, namoradas dos
netos. Aí já viu, né?
Fiz muita faxina. Trabalhei de doméstica e também como passadeira. Foi assim, bastante
variada a minha rotina. Mãe de família, cuidando de casa e de neto, o que não me faltou foi
atividade, graças a Deus. Me casei com dezesseis e fui mãe antes de completar dezessete. Avó
com trinta e três, e bisavó com cinquenta e um. Meu primeiro bisneto fez dezoito.
Minha mãe, quando veio me visitar, disse — Vocês estão que nem cabrito, pulando de pedra em
pedra. Era verdade. Era assim que a gente vivia.
Fazer uma coisa em benefício de alguém que esteja necessitando, a gente pode fazer. Alugar pra
uma pessoa fazer um evento e ganhar dinheiro, aí não, sabe? Pra um só não
Um senhor virou pra mim e perguntou — Por que existe associação de moradores? — Existe pra
gente poder ir lá pedir. Se a gente não pedir, não vem, né? Se a gente não for lá pedir, não vem
Montamos uma comissão de eventos. Na associação, nada de atividade… Aquilo já tava dando
um tédio que a gente não tava aguentando. — Não vai dar não. Vamos agitar isso aí porque não tá
bom não. Aí nós entramos. Começamos a fazer pagode.
— Ó, só tem cinco. — Cinco o que? — Cinco tique, e tu? — Cinco garrafas de cerveja aqui.
Um rapaz no papel de Jesus Cristo, carregando a cruz… Começa lá do principio, vai subindo…
fazendo as estações… pra fazer a crucificação lá em cima no ponto final.
Nosso Jesus é negro.
Meu marido é flamenguista, mas eu não ganho nada com isso, não é verdade? Não vai a gente
trabalhar pra ver… Eles estão cheios do dinheiro
Eu pego e faço. Só se não der mesmo, se estiver muito ruim. A gente vai
fazendo, ganhando um trocadinho daqui e dali. É a vida.
Nunca pensei que me casaria.
Eu cresci ali, ela cresceu ali.
Às vezes a gente sai para uma Festa de Santo Antônio, meu camarada…
Não vai não.
Não vai lá não que tu casa.
Foi lá que eu quebrei.
O vento entra cortando, ali que vem da avenida, sabe? Entre a pedreira da Vinte e Quatro de Maio
e a pedreira que vai lá pro Morin. Ele vem por cima do Extra ali, vem cortando e vem danado. O
vento melhor é quando bate daqui pra avenida. O vento que vem da avenida pra cá é vento forte.
Quando o tempo tá meio ruim, ele não canta. Não sei se ele vê que o tempo vai virar… Isso é coisa
da natureza mesmo. Tem época que ele… época de muda, né?
E tem o crônico. Faz a muda cantando.
Depois do almoço tinha a distribuição dos picolés, né? Aí tô vendo aquele pequenininho com
uma mochila, arrastando…
— Meu filho, o que que cê tá levando ai nessa mochila que tá tão pesada?
Tinha mais de vinte picolés.
— Vou levar pra casa.
— Vamos distribuir esses picolés aqui mesmo…
Botava crachá em todo mundo. Quando chegava no pé do morro, ninguém tinha crachá, já tinha
descolado, trocado, jogado fora… Era um tal de catar criança… Meu Deus, se eu perco o filho de
alguém.
Por vezes, a gente botava as crianças num ônibus e levava pra AABB do Carangola. Piscina,
futebol, essas coisas... Almoço, tudo
O LANCE DA DANÇA
EU PEGO MINHA CAIXA DE FOTOS
VOU OLHANDO
E VOU LEMBRANDO…
Vinte e quatro de Setembro de Mil Novecentos e Setenta e Oito. À noite. Eu, cinco filhos e o marido
em uma Kombi com tudo que a gente podia trazer. Aqui a gente ia encontrar um barraco de menos
de quatro por quatro metros. Não tinha banheiro separado, não tinha cozinha separada. Era tudo
um cômodo só, cimentado e de tijolo, direitinho, mas um cômodo só. A gente teve que dividir
como pôde. Saímos de lá dia vinte e quatro, umas onze horas, porque o rapaz que trouxe a gente
só podia viajar à noite. Chegamos aqui na madrugada do dia vinte e cinco.
Esse foi o começo, entendeu? Bastante labuta, muito choro. Mas graças a Deus, nós chegamos
num Domingo, e na Segunda meu marido saiu para procurar serviço. Um tempo antes, ele tinha
trabalhado aqui, ali em frente à Praça Dom Pedro, na Confeitaria Copacabana, em frente ao
Obelisco. Ele morou e trabalhou ali por seis meses, mas não aguentou porque era longe da família.
Aí ele desistiu e foi embora. Lá ele tentou, mas era uma cidade muito pequena, com pouca
possibilidade de trabalho. Um dia chamavam ele para capinar algum quintal, outra hora para
cortar madeira, coisa de cidade pequena mesmo. Eu ajudava no que podia, lavava roupa para fora,
fazia algumas faxinas, mas não ganhava um salário, porque lá, até hoje, as pessoas fazem os
trabalhos mais por troca de favor. Às vezes, ganhávamos um quilo de feijão, um pouco de arroz,
uma ajuda… não tinha aquele salário, aquela diária fixa, que nem aqui… Faz uma faxina e, no final,
cem, cento e cinquenta no bolso. Não era assim. Era o que a pessoa podia pagar. Era bastante
complicado.
Nós fomos nos enrolando com a conta onde comprávamos, né?… No armazém, que a gente
chamava de venda. Aí o vendeiro vendia, a conta ia aumentando, a gente não tinha condição de
pagar, ele começava a segurar… A gente mandava numa lista dez quilos de arroz e só vinha a
metade, entendeu? Uma situação bem precária mesmo. Graças a Deus, fome a gente não passava,
mas estava vendo a coisa ficar igual bola de neve, a dívida aumentando… E eu e meu marido, a
gente sempre fez questão de ter honestidade com as coisas, então a gente foi se apertando…
A gente tinha herdado um pedacinho, um cantinho de terra lá na roça, que era do meu sogro. Aí
dividiu entre os filhos e sobrou uma tirinha para a gente. Ele segurou enquanto pôde. Quando ele
viu que não dava mais, vendeu pros irmãos e comprou um lote na cidade com uma casinha…
simples também, mas era um terreno com uma casinha. Aí ficou nessa situação: Tinha a casa onde
morar, mas não tinha trabalho para trabalhar. Ele teve que sair mesmo. Veio, ficou aqui, voltou,
tentou de novo lá, não conseguiu. Viemos para cá. Na terça-feira ele já começou a trabalhar na
antiga Casas da Banha, aqui onde tem o Formigão, no Alto da Serra. Perto de casa, não tinha que
pagar ônibus, era assim… bem fácil para ele trabalhar. Isso foi Setembro. Passou Outubro, quando
foi Novembro eu também já tava ajudando em casa de família, fazendo uma diariazinha,
ganhando um troquinho… Coloquei currículo, fiz ficha lá no BNH e quanto foi Março de Mil
Novecentos e Setenta e Nove, me chamaram para trabalhar de carteira assinada. Passaram dois
anos que a gente já estava aqui, e nasceu a nossa sexta filha, a caçula
Minha cabeça fez uma coisa assim, trezentos e sessenta graus. Pensei — Meu Deus, a história.
Então assim cara, como eu posso fazer pra desabafar?
UM DOIS TRÊS QUATRO CINCO SEIS SETE OITO
Eu vou pra matinê dançar.
Um passinho universal… que eu acho que existe no mundo todo.
Você CHUTA
UMMM DOISSS E CHU-TAPRA-CI-MA
CRU-ZAA-PERNA

Um passinho basicão.
Todo mundo queria fazer parte.
Galera, de novo.
Todo mundo podia fazer parte.
De Domingo a Domingo. Acordava e dormia dançando.
Era só querer e ter disponibilidade.
UM DOIS TRÊS QUATRO CINCO SEIS SETE OITO
Beleza.
Só que no tempo tem o contratempo, né?
Não falo pra me engrandecer.
Tô falando porque é verdade
Vou comprar uma cartolina, pra fazer tipo… a subida do Morro aqui, por exemplo. Subindo o
Morro, na primeira curva tem um atalho que vai pro Projeto, tem outro que sai na rua de cima. A
gente bota as entradas, assim, na curva, né? Aí vai subindo o Morro, tem uma escadaria que sai no
ponto final do ônibus. Continua, vem perto da padaria, pra cima um pouco tem outra entrada,
uma servidãozinha que dá acesso pra rua de cima. Você segue a rua, vem no ponto final, tem um
rodeio aqui, um lugar maior. Tem um atalho que sai pra Lagoinha, tem o final dessa escada que sai
no ponto final, aí a rua segue e vai sair na descida que sai pro Projeto também.
SOBE E DESCE
As comunidades de Petrópolis são setenta. Eram setenta, agora deve ter umas noventa
comunidades, mais ou menos, com associação. Ah, quase cem, já deve ter inteirado cem
Quando eu era adolescente aqui no Morro, a gente não tinha praticamente nem atalho. A gente
descia pro Colégio Rui Barbosa, aqui embaixo, de tamanco e… com um bornal - esses sacos de
farinha de trigo - cortado pra fazer tipo uma mochilazinha, entendeu? E tem outras histórias
também que é o seguinte: A gente ia num poço aqui na Lopes Trovão, tomava uns banhos lá e
pegava carona no trem pra subir, entendeu? E outras coisas também: Faltou muita água aqui em
cima no Morro. Caminhão, pra subir, tinha que botar corrente nos pneus. Aí faltava água, a gente
pegava a roupa tudinho, a mãe da gente ia pra Lagoinha - aqui pertinho, uns quinze, vinte
minutos descendo por um atalho -, pra poder lavar a roupa, e a gente ficava tomando banho numa
cachoeirazinha que tinha lá. Daqui a pouco, botava a roupa nas costas, subia a Lagoinha de novo
pra botar a roupa no varal pra secar. Depois a água piorou ainda mais. Meu pai era cristão... O que
acontecia? A gente chegava da igreja eram dez horas da noite, ia daqui no ponto final da Lagoinha,
levava lata de vinte pra pegar água pra trazer pro Morro da Oficina. Depois tinha, assim, um
senhor que era dono de um time chamado Guarani. Ele fazia umas festinhas no Morro, bacana pra
caramba. Dava bastante gente. Teve festa aqui dentro do meu quintal. Vendia… vão botar, vinte
caixas de cerveja na festinha.
Comentário da tia thiaga:
acho q aqui pode entrar o muita luta, muita luta